sábado, 11 de agosto de 2012

Hoje é Sábado!


                       
A Criação de Adão, por Michelangelo Buonarroti, Capela Sistina, Roma, 1511 

No princípio... disse Deus: “Haja luz”, e houve luz. Deus viu que a luz era boa e separou a luz das trevas. Deus chamou à luz dia e às trevas chamou noite. Passaram-se a tarde e a manhã. Este foi o primeiro dia (Gn 1:1,3-5). Depois disso, passaram-se mais cinco dias e o homem chegou à Terra. Aí, no alto de sua divindade, Ele tirou o sétimo dia para descansar!

Todos conhecemos a fábula criacionista judaico-cristã, supostamente escrita por Moisés junto aos outros livros da Torá. O fato é que a narrativa contempla um período de sete dias, que culminou com a nossa sagrada semana, iniciada no domingo e pulverizada no sábado, o dia de “apaziguar nossos corações” com descanso. O certo é que esse foi um número bem arbitrário, de cunho absolutamente cultural. Outros povos da antiguidade obedeciam calendários com números variados de dias, sempre mais que um e menos que 30!

Mas para que serve isso mesmo? Nossos antepassados pouco se importavam que a segunda-feira era dia de trabalho, terça de paredão, sexta de cerveja e domingo do Faustão. A vida de coletor não necessitava de marcações. Mas a agricultura nos forçou a pensar no tempo. Eram sabidas as estações do tempo, quando chovia mais e quando não se aconselhava plantar. A mesma agricultura possibilitou a formação das primeiras sociedades organizadas, e com elas vieram as obrigações e os cultos. Então havia o dia de trabalhar e os dias dedicados as deidades. Os egípcios e os chineses tinham suas semanas de dez dias, enquanto sumérios e gregos reconheciam apenas sete, um para cada deus-planeta. Outros povos africanos, como os Igbos nigerianos, se resumiam a apenas quatro!

Toda essa conversa nos leva ao pequeno município isolado num grotão perdido do interior piauiense. Apesar da chegada da modernidade, com mercados e outras lojas sofisticadas, a maior parte da população ainda se dedica exclusivamente à agricultura, dela retirando seu sustento e dela padecendo. E para que serve uma semana de sete dias para eles? Não importa que hoje seja terça ou domingo! Se chegou a hora da colheita, não é muito sagaz deixar a produção se estragar somente por que hoje é sábado.

Do outro lado, a população dispõe apenas de uma única unidade básica de saúde, a qual funciona regularmente de segunda a sexta em horário comercial. Nos outros períodos, o estabelecimento fica fechado, sob a guarda de um vigia.

Residir no mesmo pequeno município em que se trabalha tem dessas coisas. A emergência mais próxima fica a três horas de viagem. Então não importa a hora ou o dia da semana, se há uma necessidade, eles já conhecem o endereço. Então seja pra assinar uma receita ou mostrar uma criança febril, a segunda porta que procuram, depois do posto, é sempre a de minha casa. O complicado é explicar que lugar onde se mora não é consultório! Há um ano venho martelando nesse quesito, com pouco sucesso.

Aí chega um abençoado sábado! A unidade fechada e eu em casa. A manhã corre tranqüila quando, de repente, uma moto estaciona na porta e descem dois indivíduos, um homem e seu filho. O mais velho bate na porta e vou ver quem é.

- Oi!
- Com licença! O médico mora aqui?
- Sim, sou eu!
- É que fui no posto e estava fechado.
- É por que hoje é sábado!
- Ah!
Silêncio.
            - Então não tem atendimento no posto hoje?
            - Não, por que hoje é sábado!
            - Ah!
Silêncio...

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