sábado, 3 de setembro de 2011

Sobre Pais e Livros


Fyodor Pavlovich Karamazov era um crápula. Um beberrão inveterado, afeito a todas as práticas e vícios condenados em qualquer sociedade possível. Emergiu incólume de dois casamentos, nos quais deixou 3 filhos e mágoas profundas. Em sua magistral obra, Fyodor Dostoyevsky relata os abusos cometidos pelo bufão, esmiúça as personalidades intrigantes de seus filhos e tem como desfecho o parricídio e a procura pelo culpado dentro da família Karamazov.

Mas este texto não é sobre o livro, mas por que interrompi sua leitura pela terceira vez em 6 anos! Para ilustrar melhor, tomaremos um novo rumo.

Em 1927, o pai da psicanálise, Sigmund Freud, lançou no ensaio Dostoievsky e o Parricídio as    primeiras impressões registradas na literatura sobre o comportamento masculino no complexo de Édipo. Para sustentar sua argumentação, apoiou-se sobre três grandes obras, a saber: Édipo Rei, de Sófocles; Hamlet, de William Shakespeare e claro, Os Irmãos Karamazov, de Dostoievsky.

O escritor grego relatou em sua tragédia o drama do rei homônimo que, cumprindo uma profecia antiga, assassina o pai e desposa a mãe. Ao tomar conhecimento da condição de marido da própria genitora, fura os olhos e parte pelo mundo como mendigo, a fim de espiar seus pecados.

Na outra obra, o dramaturgo inglês conta a história do príncipe da Dinamarca, Hamlet, que tem o pai assassinado pelo tio, o qual usurpa seu trono e toma sua mãe como rainha. O espectro do pai lhe aparece cobrando vingança, tarefa encarada com amargura pelo príncipe.

A perda do pai é a ação central das três obras. Entretanto, as intrigas geradas pelo ato são o verdadeiro motivo da excelência delas. Sófocles discorre sobre o tabu social do incesto, a culpa pela consumação do ato e as medidas desesperadas adotadas pelas personagens como punição. Shakespeare vai mais fundo mostrando a angústia de um filho frente ao enfrentamento do tio assassino. Por que Hamlet exita tanto em desferir o golpe fatal sobre o algoz de seu pai? A fúria com que cai sobre outros inimigos não é a mesma dedicada ao tio.

Já faz alguns anos que vivo um drama semelhante aos dos irmãos Karamazov. Cada vez que iniciei a leitura do livro, via estampada em suas páginas os sentimentos negativos cultivados pelo convívio conflituoso com meu próprio pai. Daí, não via outra solução senão fechar o livro e legar-lhe mais uma temporada de ostracismo em minha estante.

Admito que nem sempre vivemos de rugas. Houve uma época em que o considerava, como qualquer criança, meu herói. Contudo os anos passaram e com eles foi embora a venda que me impedia de enxergar a verdadeira figura de meu pai. Não obstante, perdi outras referências que usava como fortaleza e modelo a seguir. Da mesma forma, encontrei-me homem feito, irmão mais velho e protetor de minha família. Matei meu herói e lhe tomei a esposa. Quando dei por mim, encarnava o complexo de Édipo.

Os meses de distância permitiram que tomasse um olhar crítico a respeito de minhas atitudes e chegasse a essas conclusões, mesmo que imprecisas ou exageradas. Hoje assumo atitudes diferentes com relação ao convívio com meus pais. Entendi minha posição dentro da família, assim como minhas responsabilidades. Não fecho os olhos para o passado, entretanto tento ser mais cauteloso quanto ao futuro. Ainda não tive coragem de reabrir “Os Irmãos Karamazov”, mas pretendo um dia terminar sua leitura e encontrar novas respostas para esse dilema tão antigo.