A
rotina do atendimento ambulatorial por vezes é maçante. Passamos o dia
atendendo pacientes com problemas de pressão arterial, diabetes, crianças
resfriadas e as muitas queixas de dor, desde as cefaleias até aquelas dores
fantasmas misteriosas que ninguém explica, mas que muitas vezes passam com uma
boa conversa e uma cartela de paracetamol.
Mas
a vida guarda suas surpresas! Então, numa bela manhã de quarta-feira, entra o seu
Valdir* no meu consultório. Paciente habitual, pouco mais de 60 anos, faz
acompanhamento por hipertensão arterial, com boa resposta às medicações. Está
em companhia da filha, que traz consigo uma sacola cheia de caixas de remédios.
Enquanto converso com seu Valdir, sua filha fica me dando orientações sobre
conselhos a serem dados ao próprio pai, transformando a consulta numa babel
desenfreada.
Após
um breve esclarecimento a respeito do papel de cada um dentro daquela sala,
ânimos acalmados, vejo que seu Valdir está muito incomodado com algo. Então
peço a ele que esclareça. Um tanto acanhado, pede à filha que saia do
consultório, pois queria falar em particular comigo.
Resoluta,
a mulher deixou a sala. Assim que a porta foi trancada, seu Valdir me encarou
de olhos arregalados. Com uma expressão assustada, falou:
-
Doutor, meu pau tá sumindo!
Quem
está preparado para tal confissão? Na verdade, quem já foi agraciado com tal
revelação a respeito de um órgão tão íntimo? Fiquei por um momento sem
palavras, mas tentei organizar meu pensamento para esclarecer aquela queixa tão
bizarra. Então lembrei algo que havia lido há algum tempo.
Em
1967, uma histeria generalizada espalhou-se entre os homens de Cingapura. Centenas
correram aos hospitais apresentando as mesmas queixas: o pênis estava sumindo.
A causa: consumo de carne de porco vacinado contra gripe suína. Após o relato
de que um dos porcos havia morrido com retração peniana, a moléstia se espalhou
– e era altamente contagiosa. O tal transtorno, batizado de Koro, causava grande ansiedade,
impotência e alguns dos acometidos acreditavam que morreriam assim que o pênis
desaparecesse completamente. O mais intrigante era que não havia mudança alguma
no comprimento do falo quando acompanhados (quem fez as medidas?).
Outros
países na Europa, África e na Ásia também sofreram seus surtos de Koro. Apesar dos sintomas serem os
mesmos, as causas variavam conforme os costumes locais: feitiçaria, desonra aos
ancestrais, masturbação...
Seu
Valdir disse que notou o encolhimento do seu órgão há varias semanas, inclusive
fazendo questão que eu olhasse e desse minha opinião. Também reclamou de
impotência sexual e que, por vezes, apresentava problemas ao urinar. A primeira
coisa que veio a minha cabeça foi exatamente um distúrbio psicológico como o Koro, mas não podia fechar os olhos para
outros diagnósticos, como uma disfunção erétil típica da idade (o que era, de
fato) ou a doença de Peyrone, que também causa encolhimento peniano, curvatura
anormal e pode evoluir com impotência.
Infelizmente,
não dispunha de conhecimento especializado. De certa forma, tentei tranquilizar
seu Valdir quanto à dimensão do seu problema e indiquei que procurasse um
urologista para uma avaliação mais acurada do seu caso. Seu Valdir deixou meu
consultório mais aliviado. Quanto a mim, rotina quebrada de maneira tão
inusitada, torci para que o dia transcorresse com os pacientes habituais:
hipertensos, diabéticos, gripados...
* Nome alterado para preservar a identidade.