segunda-feira, 6 de junho de 2011

Luto

Dia de visita domiciliar. No itinerário, dona Esmeralda*, uma senhora de 53 anos. Há exatamente 2 meses, sua filha Carmen*, de 19 anos, morreu de forma repentina após um quadro febril associado a intensa cefaléia. Desde então, Esmeralda passava os dias triste, chorando, sem se alimentar. Não mais saía de casa nem se interessava por mais nada que ultrapassasse a soleira de sua porta.

Uma semana antes da visita, a irmã de Esmeralda, recém chegada de São Paulo, foi ao meu consultório com o único objetivo de solicitar uma visita à irmã. Chegou mesmo a propor uma remuneração para tal. Após os devidos esclarecimentos sobre os procedimentos para agendar uma visita, inclusive da não necessidade de honorários, firmei compromisso e hoje saí para cumpri-lo.

Mas o que dizer a uma mãe que perdeu uma filha dessa maneira? A faculdade, os livros, nada ensina. A vida pode empregar suas lições, mas o que teria consolidado em médico recém-formado? Mergulhei em busca de esclarecimentos nas diversas publicações sobre o tema e a única resposta encontrada foi: uma dor que nunca passa. Nada substitui a vida perdida de um filho. Crescemos na certeza de que um dia não teremos os avós e pais por perto. Contudo ninguém está preparado para a brutal quebra de um elo como a morte de um filho. Esse não é o caminho natural. Extrapolando, é a subversão da natureza.

Frustrado pela constante negativa em minhas pesquisas, levei comigo a única saída que me restava, a honestidade. Cheguei à casa de dona Esmeralda por volta das 16h e lá permaneci por quase uma hora. Perguntei como ela se sentia, revelei o motivo de ter ido lá, incluindo o pedido da irmã, e disse que não sabia o que dizer naquela hora. Fui sincero por que vi uma mãe em pedaços. Escutei com atenção seus relatos sobre o dia fatídico, perguntei como era sua filha e conversamos brevemente sobre os últimos dias. Por fim, conclui pedindo para que Esmeralda desse um passo a mais a cada dia.

Retornar a rotina pode ser algo impossível, mas a vida continua. O vazio vai ficar lá e andar pode ser a única maneira de mantê-lo num nível minimamente aceitável. Despedi-me acertando novo compromisso de revê-la em breve, com a certeza de que talvez em nada tenha alterado o sofrimento daquela mãe, mas de alguma forma, tenha implantado a semente de dias menos escuros porvir.

*Nome alterado para preservar a identidade.