quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Koro


A rotina do atendimento ambulatorial por vezes é maçante. Passamos o dia atendendo pacientes com problemas de pressão arterial, diabetes, crianças resfriadas e as muitas queixas de dor, desde as cefaleias até aquelas dores fantasmas misteriosas que ninguém explica, mas que muitas vezes passam com uma boa conversa e uma cartela de paracetamol.

Mas a vida guarda suas surpresas! Então, numa bela manhã de quarta-feira, entra o seu Valdir* no meu consultório. Paciente habitual, pouco mais de 60 anos, faz acompanhamento por hipertensão arterial, com boa resposta às medicações. Está em companhia da filha, que traz consigo uma sacola cheia de caixas de remédios. Enquanto converso com seu Valdir, sua filha fica me dando orientações sobre conselhos a serem dados ao próprio pai, transformando a consulta numa babel desenfreada.

Após um breve esclarecimento a respeito do papel de cada um dentro daquela sala, ânimos acalmados, vejo que seu Valdir está muito incomodado com algo. Então peço a ele que esclareça. Um tanto acanhado, pede à filha que saia do consultório, pois queria falar em particular comigo.

Resoluta, a mulher deixou a sala. Assim que a porta foi trancada, seu Valdir me encarou de olhos arregalados. Com uma expressão assustada, falou:

- Doutor, meu pau tá sumindo!

Quem está preparado para tal confissão? Na verdade, quem já foi agraciado com tal revelação a respeito de um órgão tão íntimo? Fiquei por um momento sem palavras, mas tentei organizar meu pensamento para esclarecer aquela queixa tão bizarra. Então lembrei algo que havia lido há algum tempo.

Em 1967, uma histeria generalizada espalhou-se entre os homens de Cingapura. Centenas correram aos hospitais apresentando as mesmas queixas: o pênis estava sumindo. A causa: consumo de carne de porco vacinado contra gripe suína. Após o relato de que um dos porcos havia morrido com retração peniana, a moléstia se espalhou – e era altamente contagiosa. O tal transtorno, batizado de Koro, causava grande ansiedade, impotência e alguns dos acometidos acreditavam que morreriam assim que o pênis desaparecesse completamente. O mais intrigante era que não havia mudança alguma no comprimento do falo quando acompanhados (quem fez as medidas?).

Outros países na Europa, África e na Ásia também sofreram seus surtos de Koro. Apesar dos sintomas serem os mesmos, as causas variavam conforme os costumes locais: feitiçaria, desonra aos ancestrais, masturbação...

Seu Valdir disse que notou o encolhimento do seu órgão há varias semanas, inclusive fazendo questão que eu olhasse e desse minha opinião. Também reclamou de impotência sexual e que, por vezes, apresentava problemas ao urinar. A primeira coisa que veio a minha cabeça foi exatamente um distúrbio psicológico como o Koro, mas não podia fechar os olhos para outros diagnósticos, como uma disfunção erétil típica da idade (o que era, de fato) ou a doença de Peyrone, que também causa encolhimento peniano, curvatura anormal e pode evoluir com impotência.

Infelizmente, não dispunha de conhecimento especializado. De certa forma, tentei tranquilizar seu Valdir quanto à dimensão do seu problema e indiquei que procurasse um urologista para uma avaliação mais acurada do seu caso. Seu Valdir deixou meu consultório mais aliviado. Quanto a mim, rotina quebrada de maneira tão inusitada, torci para que o dia transcorresse com os pacientes habituais: hipertensos, diabéticos, gripados...

* Nome alterado para preservar a identidade.