sábado, 30 de abril de 2011

Vida Nova ou Ignorância

Estas são as primeiras palavras que escrevo em meses. Durante este período de ostracismo, revoluções ocorreram na minha vida. Pela primeira vez, após mais de 20 anos, deixei de ser estudante profissional. Deixei minha casa e resido a mais de 1000 Km de meus pais, em uma simpática cidadezinha no interior do Piauí, meu querido estado natal.


Larguei as letras por que não me julgava merecedor delas. Iniciei um blog para ajudar a escrever meu primeiro livro e estanquei! Exprimi o que podia e nem uma sílaba caiu sobre estas teclas. Então resolvi abandonar temporariamente este ofício e me dedicar a minha nova profissão. Fui graduado em dezembro de 2010 e logo tive a oportunidade de retornar ao Piauí. Um mês se passou entre propostas, CRM, sindicato e cá estou eu, médico do município de Guaribas.


A chegada já foi um tanto impactante. São 12 horas de viagem até a cidade mais próxima, chamada Caracol, e depois mais 1h30min de viagem em estradas de pedra, areia e lama. Nacionalmente famosa pela implantação pioneira do programa Fome-Zero do governo federal, Guaribas acomoda cerca de 4 mil habitantes, distribuídos entre a sede e outros povoados, por vezes bem distantes e de difícil acesso.


Sua população é bastante peculiar, formada por apenas algumas famílias, já denotando alguns dos problemas de saúde que enfrentaria por aqui. São bem acolhedores e simpáticos em sua maioria. Os mais velhos são quase todos analfabetos ou tem baixíssima escolaridade. Os mais novos contam com uma excelente unidade de ensino de tempo integral, alcançando boas colocações no último Enem. Estava traçado o perfil das pessoas que encontraria por aqui. Agora faltava colocar a mão na massa e trabalhar!


No princípio, era governado pela insegurança! Conhecia o conteúdo, mas estava alheio ao impacto causado pelas minhas condutas. O carimbo e as decisões agora me pertenciam, então a responsabilidade foi aumentada exponencialmente. Antes, na faculdade, raramente tinha a oportunidade de rever os pacientes ambulatoriais. Hoje isso é uma constante! Pior, os pacientes agora são meus vizinhos e colegas.


Cheguei impregnado de incertezas e empolgação. Há sete dias venho praticando a boa e velha medicina que aprendi durante os últimos 6 anos. Uma semana na qual passava as noites  em claro, temendo fazer alguma bobagem dantesca. Acordava com os livros e dormia sob sua guarda. Durante o serviço, tentava de todas as formas manter um tom de voz firme para não demonstrar a enorme insegurança que me assolava. Mas fui levando e aos poucos, conquistei certo domínio sobre minhas ações.


Hoje faço uma avaliação retrospectiva. Não minha, pois ainda não tive tempo de contemplar minha prática, mas uma avaliação da maioria dos acontecimentos que se passaram em meu consultório esta semana.


Ignorância! Uma das palavras mais feias que existe, tanto pelo seu significado quanto pelas pessoas a quem ela se aplica. Neste caso, estaria falando de uma grande parcela da população mundial (quem sabe não estou incluído nesta conta!). Somos ignorantes quando desconhecemos algo, quando tratamos alguém/algo de forma rude e quando nos negamos ser esclarecidos!


Ignorância! Meu amigo Chico Iure falou de forma esclarecida quando afirmou que preferia ficar na capital, onde as pessoas entendem o que ele fala. É muito deprimente falar com o paciente, mesmo no linguajar mais básico possível, e receber o silêncio como resposta, pela simples incapacidade dele em compreender o português. Infelizmente, essa é um constante nestas bandas. O povo carece de cultura. Moldados a sol e enxada, sucumbem nas artimanhas da língua.


Ignorância! Foram por anos impedidos de usufruir de seus direitos. Foi com muita comoção que ouvi uma das pacientes reclamar de minha demora durante as consultas. Ela afirmava que apenas consultas particulares deveriam demorar tanto. No serviço público, deveria ser o mais breve possível.


Ignorância, a palavra de hoje! Agora me invisto de autoridade para qualificar de estúpido um médico que se serve da assistência pública para propagar tal idéia. Atender 500 pacientes numa manhã é uma falta de respeito (e canalhice) sem tamanho. Justificar tal prática sob o argumento de que é público torna a afirmação mais absurda ainda.


Ignorância, minha palavra preferida nestes tempos! Talvez seja bem empregada em meu estado de espírito atual. Contudo, posso garantir que é apenas um estágio inicial, de onde todos partimos. Um ano dedicado ao conhecimento e, quem sabe nesta tônica, eu me afaste deste estado impróprio e me aproxime um pouquinho mais de seu oposto.