A Criação de Adão, por Michelangelo Buonarroti, Capela Sistina, Roma, 1511
No
princípio... disse Deus: “Haja luz”, e houve luz. Deus viu que a luz era boa e
separou a luz das trevas. Deus chamou à luz dia e às trevas chamou noite.
Passaram-se a tarde e a manhã. Este foi o primeiro dia (Gn 1:1,3-5). Depois
disso, passaram-se mais cinco dias e o homem chegou à Terra. Aí, no alto de sua
divindade, Ele tirou o sétimo dia para descansar!
Todos
conhecemos a fábula criacionista judaico-cristã, supostamente escrita por
Moisés junto aos outros livros da Torá. O fato é que a narrativa contempla um
período de sete dias, que culminou com a nossa sagrada semana, iniciada no
domingo e pulverizada no sábado, o dia de “apaziguar nossos corações” com
descanso. O certo é que esse foi um número bem arbitrário, de cunho absolutamente
cultural. Outros povos da antiguidade obedeciam calendários com números
variados de dias, sempre mais que um e menos que 30!
Mas
para que serve isso mesmo? Nossos antepassados pouco se importavam que a segunda-feira
era dia de trabalho, terça de paredão, sexta de cerveja e domingo do Faustão. A
vida de coletor não necessitava de marcações. Mas a agricultura nos forçou a
pensar no tempo. Eram sabidas as estações do tempo, quando chovia mais e quando
não se aconselhava plantar. A mesma agricultura possibilitou a formação das
primeiras sociedades organizadas, e com elas vieram as obrigações e os cultos.
Então havia o dia de trabalhar e os dias dedicados as deidades. Os egípcios e
os chineses tinham suas semanas de dez dias, enquanto sumérios e gregos reconheciam
apenas sete, um para cada deus-planeta. Outros povos africanos, como os Igbos
nigerianos, se resumiam a apenas quatro!
Toda
essa conversa nos leva ao pequeno município isolado num grotão perdido do
interior piauiense. Apesar da chegada da modernidade, com mercados e outras
lojas sofisticadas, a maior parte da população ainda se dedica exclusivamente à
agricultura, dela retirando seu sustento e dela padecendo. E para que serve uma
semana de sete dias para eles? Não importa que hoje seja terça ou domingo! Se
chegou a hora da colheita, não é muito sagaz deixar a produção se estragar
somente por que hoje é sábado.
Do
outro lado, a população dispõe apenas de uma única unidade básica de saúde, a
qual funciona regularmente de segunda a sexta em horário comercial. Nos outros
períodos, o estabelecimento fica fechado, sob a guarda de um vigia.
Residir
no mesmo pequeno município em que se trabalha tem dessas coisas. A emergência
mais próxima fica a três horas de viagem. Então não importa a hora ou o dia da
semana, se há uma necessidade, eles já conhecem o endereço. Então seja pra
assinar uma receita ou mostrar uma criança febril, a segunda porta que
procuram, depois do posto, é sempre a de minha casa. O complicado é explicar
que lugar onde se mora não é consultório! Há um ano venho martelando nesse
quesito, com pouco sucesso.
Aí
chega um abençoado sábado! A unidade fechada e eu em casa. A manhã corre
tranqüila quando, de repente, uma moto estaciona na porta e descem dois
indivíduos, um homem e seu filho. O mais velho bate na porta e vou ver quem é.
- Oi!
- Com licença! O médico mora aqui?
- Sim, sou eu!
- É que fui no posto e estava fechado.
- É por que hoje é sábado!
- Ah!
Silêncio.
- Então não tem atendimento no posto
hoje?
- Não, por que hoje é sábado!
- Ah!
Silêncio...